Ao olhar por uma janela vejo um
jovem parado. Olhar vazio, concentrado, quase em outro mundo. Me vem em mente
alguns pensamentos: onde ele realmente está? Algo normal ou patológico? Realmente
uma coisa que não é comum. O mundo parado entre tantos movimentos. Ele, sem
celular, sem esse mundo virtual. Passa os dias na rua, de um lado para o outro,
sem falar, sem conversar com ninguém. Apenas olha, anda, contempla. Me vem um
lapso de curiosidade. O que se passaria por essa cabeça? Como ele vê o mundo?
Nossas relações geralmente são assim. As pessoas na ânsia da fala e do barulho
não escutam, não contemplam. A rua é algo pequeno, pouco mais de duas
encruzilhadas, que ele percorre e sempre na mesma direção. Muitos dizem que é
louco, que não entende nada à sua volta. Tenho dificuldades com o conceito de
loucura e de normalidade. Muitas vezes os que usam essas palavras as usam no
sentido do senso comum, daquilo meramente que escutam e apenas repetem, sem
ruminar o sentido, sem mesmo interiorizar as palavras. Me parece que são
rótulos aparentes que, muitas vezes refletem uma sociedade doente e esquizofrênica
que olha meramente o aparente e desconsidera o que está por trás. Em um
exercício espiritual Jesus de Nazaré percebeu as nuanças da condição humana. Olhou
para além de tudo isso. Cercou-se de homens e mulheres que, humano demasiados
humanos, mesmo com limitações aparentes, pois não eram da classe formadora de
opiniões, ou mesmo das cúpulas econômicas e religiosas, mas entendiam a essência
da vida e percebiam na conduta e nas palavras dele que era alguém que olhava
para cada um e, verdadeiramente, percebia a humanidade e o valor de cada pessoa. Em
simples atos, desde uma visita em casa, a uma passada no trabalho, onde ele
fosse fazia a diferença pois olhava cada um nos olhos e chamava pelo nome. Em uma
sociedade de anônimos, como a nossa hoje, e mais ainda de indigentes sociais é
escandaloso uma mensagem como essa. O grande escândalo é que sua mensagem é
para o tempo presente, é para uma mudança aqui e agora e não algo para o suprassumo
de uma vida pós morte. Mesmo em um tempo de profetas do caos, que pregam a
desesperança e o fim, é preciso perceber que, os agentes da história somos nós.
Cada um de nós. É preciso perceber e ir além daquilo que as aparências de um
mundo caótico e materialista apresenta. Com as sandálias nos pés e com a enxada
nas mãos ir e, a exemplo do semeador, fazer nossa parte. Mesmo sabendo dos
riscos e das perdas que ocorrerão nesse trajeto para a plantação. O menino de
olhos profundos e olhar vazio me inspirou a sair dessa rua e ir para além até
mesmo desse bairro. Afinal, é uma grande cidade essa nossa existência. Shalom!
EDUCAR E CONSTRUIR
é um espaço para pensar e repensar
quinta-feira, 17 de agosto de 2017
quinta-feira, 27 de julho de 2017
Uma reflexão sobre o momento presente.
O pensamento é
a maneira pela qual o homem se distingue dos animais na natureza. A priori
seria isso uma grande vantagem nossa em relação aos animais. Contudo, em tempos
de tanta superficialidade, egocentrismos e descartáveis as coisas tomam outros
rumos. Em tempos virtuais as pessoas cada dia perdem mais suas identidades e se
revestem com aquilo que queriam ser. Um a posteriori que só existe no universo
de suas imaginações. Na modernidade líquida de Bauman, as coisas passam entre nossos
dedos e tomam formar inimagináveis. Dos papiros aos e-mails quanta coisa mudou.
Vivemos escravos do tempo e do trabalho. Substituímos pessoas por máquinas e
nos escondemos por trás de visores e monitores. E teclados teclam sem
sentimentos e transmitem apenas aquilo que quem está do outro lado espera como
resposta. Com as instituições que sempre foram referenciais em crise como vamos
sobreviver? Estado, Igreja, Escola, enfim, aqueles que discursavam e se apresentavam
como verdadeiros avatares perderam a força de suas palavras. Hoje a mídia despeja
informações e deformações vinte quatro horas por dia nas mentes das pessoas. Sem
nenhuma neura com as teorias de conspiração e de dominação do mundo, mas tendo
que falar: estão a serviço de quem? Vendem o que? Que avatares apresentam a
sociedade como aqueles à serem seguidos? Em intervalos de anunciadores e banhos
de sangue na hora do almoço, muitas vezes nos apresentam uma desesperança só,
uma verdadeira barbárie. Até me pergunto: se houver mudança o que eles
apresentariam nos telejornais? Até que ponto é real a indignação do apresentador?
O que me assusta é que, boa parte das pessoas aceita e segue sem questionar, já
desistindo e colocando que não há alternativas possíveis e que sempre será
assim. Ora, as partir do momento que perco minhas esperanças desisto de mudar e
consequentemente me acomodo e passo a ver normalidade em tudo. Normalidade essa
quer é fundamental para manter as estruturas de poder opressor que hoje imperam
em nossa sociedade. O trabalho ascético de desmistificar essas estruturas acaba
quando nós (aí me coloco enquanto professor) aceitamos e colaboramos para que
os outros aceitem também. É preciso reinventar os valores éticos e morais de
nosso tempo. Atualizar aquilo que não tem mais fundamento e resinificar as
novas realidades. Em sua essência eles ainda são os mesmos, no entanto os desafios
atuais são outros. A experiência de vida faz a diferença quando queremos um
mundo melhor e uma realidade melhor. Para além de orelhas de livros e jargões
novos e sedutores precisamos ter lucidez e frieza quando falamos hoje na política
brasileira, nas políticas educacionais, em desenvolvimento sustentável, em
sociedade justa e digna. Para além da indústria do marketing, que produz
verdadeiros salvadores da pátria, precisamos superar esses modismos. Cada um de
nós é responsável pela engrenagem social que vivemos. Um Estado forte e
democrático onde caibam todos não começa de cima para baixo, mas, de baixo para
cima. São nas pequenas coisas que sabemos qual é o caráter de alguém. Se for o
caminho vamos reaprender tudo, vamos começar de novo, da estaca zero. Tem jeito
quando nós dermos um jeito, não jeitinho, não arrumadinho, não furando fila, ou
recebendo favores e concessões, mas, tomando consciência que, como está não
pode ficar e o destino está nas mãos de cada um de nós. Coragem sempre!
terça-feira, 16 de maio de 2017
À caminho do alto.
A vida realmente é uma caixa de surpresa. Estamos mudando o
tempo todo. É impressionante o quanto as pessoas são capazes de mudar
radicalmente. Será que somos ás circunstancias?
Lembro de Maquiavel quando fala que os meios independem dos fins. O que
importa é alcançar os objetivos. A ideia do inconsciente coletivo de Jung é
esclarecedora para nos ajudar à olhar o pensamento coletivo e como as pessoas
historicamente colocam suas esperanças cegas e figuras emblemáticas. Contudo os
bastidores revelam que tais seres não existem, que o poder os modifica a partir
do momento que os tem.
A natureza humana é mesmo curiosa. Algumas pessoas não
conseguem sair da superficialidade. Ficam simplesmente na aparência e na beira
do lago. Não conseguem ir mais a fundo. Tipicamente aqueles que ficam nas
orelhas dos livros. Quando olho a natureza, plantas, árvores, o verde isso me
reanima pois elas não são aparência, são o que são e se mostram como tais. As
caminhadas no final de tarde me ajudam a renovar esse espírito.
terça-feira, 2 de dezembro de 2014
O I Seminário Municipal de Ensino Religioso é um Evento Realizado pela Prefeitura Municipal de Bayeux, atráves da Secretaria de Educação e a Coordenação de Ensino Religioso. Com apoio da Universidade Federal da Paraíba, nas Pessoas dos professores Lusival Barcellos e Eunice Simões e também com a perceria das Edições Paulinas, na pessoa do Professor Vanderlan (Gerente Geral). Tempo como publico alvo professores, supervisores e diretores, o evento que tem como tema Diversidade, Tolerância e Educação, busca fazer uma flexão sobre o papel do ensino religioso nas escolas, bem como sua contextualização na pós-modernidade. Desde a abertura, dia 04 às 19:00, onde iremos refletir sobre o papel da Educação na atualidade e os desafios, até a sexta, onde se falará das práticas em sala de aula, dos conteúdos, das bases epistemológicas, bem como o lugar do mesmo na escola pública. O evento contará com a presença do prefeito Dr. Expedito Pereira, grande incentivador e responsável direto pela implantação da disciplina no município, bem como dos vereadores, representates de confissões religiososas e da comunidade em geral. Sendo realizado no CEFOR(Centro de Formação de Professores - Av. Liberdade, próximo aos Correios), nos dias 04 e 05 do corrente mês, estão sendo esperados cem participantes. Esse evento faz parte do processo de Formação continuada dos Professores de Ensino Religioso.
quarta-feira, 13 de agosto de 2014
Um pensamento agosto
Existir é de
fato um grande desafio. Seja ele para nós mesmos, aceitar nossos limites,
reconhecer nossa finitude superar conflitos. Quando tomamos consciência do que
está a nossa volta acabamos experimentando um sentimento de alegria e ao mesmo
tempo angústia. Aquilo que Kierkegaard chamava de desespero humano. Um
sentimento de vazio onde tudo a nossa volta perde o sentido, onde nenhuma cor
tem brilho e as pessoas conversam a nossa volta e nada faz sentido; onde o
existir passa ser um pesar.
A grande
aventura humana é de fato o conhecer a si mesmo. Pondé com o seu pessimismo me
inspira a desesperança. A de fato
acreditar que não há um possível amanhã melhor e que, todos nós apenas
representamos papéis e fingimos acreditar em dias melhores. Onde no fundo, o
que cada um quer são o seu prazer e sua realização, lembro sua idéia do politicamente correto, que de fato eu
não sou. Mesmo não sendo tão radical quando Pondé. Contudo o meu
desencantamento é nítido: não acredito na gratuidade das coisas faz tempo. O
outro de fato, concordo com Sartre, é o inferno. As academias estão cheias de
estrelas que querem brilhar sozinhas, as igrejas estão cheias de hipócritas
manipuladores, a política cheia de oportunistas e dissimulados. No entanto
nunca fomos tão políticos e tão religiosos. Só nos faltaria canonizar algumas
figuras emblemáticas. Contudo escrevo de uma tarde angustiante de agosto de um
lugar qualquer para reclamar, como o homem que sai com a lanterna ao meio dia
procurando o deus de Nietsche, onde ele está? Vocês o mataram: eu e vocês.
A grande
sacada de Comte-Sponville, no seu
célebre Bom dia Angústia, foi nos
alertar que a morte não é simplesmente algo fora do comum, muito pelo
contrário, ela faz parte de cada um de nós. Já começamos morrer no dia que
nascemos. É uma realidade que está intrinsecamente conosco. Lembro que os
alunos não gostam quando falamos em sala desse tema. É assustador imaginar que,
com toda nossa complexidade, inteligência, arrogância, petulância, sejamos
mortais. Penso que nos assusta imaginar que em um determinado momento não
estaremos aqui. Daí nosso interesse pelo
assunto. Refletir isso é nos jogar no grande universo das questões humanas. Que cada um possa contruir seu presente a cada instante plantando suas sementes e podando suas árvores; sejamos semore construtores de pontes. Ousemos sempre pensar.
quinta-feira, 15 de maio de 2014
Educação e Religião: Se as religiões não dialogam, será que seu estudo ...
Educação e Religião: Se as religiões não dialogam, será que seu estudo ...: Tratando de Educação e Religião, como tema principal, pois entendemos que as questões religiosas estejam impregnadas na vida escolar, uma ...
terça-feira, 17 de setembro de 2013
Religiosidade Popular: fenômeno, mística e o símbolo
Resumo:
Nosso
trabalho busca refletir sobre alguns aspectos no que diz respeito à
religiosidade popular, como ela se estrutura sua relação com a instituição e o
“resignificado” que ela recebe do povo. Tomando como elemento importante a
questão do “fenômeno”, suas particularidades, além da questão simbólica que o
mesmo envolve. Sendo o homem um ser aberto ao sagrado ele faz de sua realidade
social algo presente nessa realidade, bem como a mística, que é essencial,
acaba que, envolvendo toda essa relação.
Summary
Our work aims to reflect on some aspects regarding the popular religiosity, as it structures its relationship with the institution and "resignificado" she receives from people. Taking as an important issue of the "phenomenon", its peculiarities, beyond the symbolic issue that it involves. Since man is a being open to the sacred he does something this social reality in this reality and mysticism, which is essentially just that, involving all this respect
Palavras-chave: Religiosidade Popular,
Fenômeno, Símbolo e Mística.
Keywords: Popular Religiosity, Phenomenon, Symbol and Mystic.
Introdução
A principio é importante destacar que existe uma tendência a um
continuísmo por parte dos historiadores quando o assunto é religiosidade
popular, bem como um etnocentrismo que coloca em questão tais práticas não como
religião e sim como religiosidade popular. Com isso corremos o risco de um
reducionismo do fenômeno religioso, quando fazemos essa análise da religião em
relação às conjunturas sociais. Quando falamos dessa forma estamos reduzindo a
religião a simplesmente a sua dimensão institucional e com isso estamos
privando-a de seu caráter fenomenológico[1].
O popular é aquele, não ordenado, não
funcionário do sagrado, mas que vive intensamente as ideias religiosas e com
isso, torna suas práticas comuns no meio da comunidade. Ele não precisa de
autorização ou mesmo de uma insígnia para que sua autoridade seja reconhecida
perante sua comunidade. E visto nessa prática seu valor utilitário e prático.
Existe uma prestação de serviços locais que integram essas práticas a vida do
povo. Seu imaginário parte da premissa que existe um criador de tudo e todos e
que a existência é em função de alguma coisa, ou seja, que ela faz sentido.
Além de nomear as coisas ás tornam sacras, bem como o incrível passa a ser
possível em uma determinada ordem de valores e elementos místicos.
A religião popular permite que o povo
expresse sua interioridade em gestos coletivos, rituais espontâneos que fazem
com que o povo se expresse sua criatividade. Não é algo limitado ou mesmo
enquadrado em “cânones ou liturgias” [2].
Essa religião rompe com as ideologias dominantes das estruturas sociais na
medida em que tira o povo do anonimato, suas liturgias são em função de
resignificações próprias e não para justificar ordens estabelecidas. Como a
mesma não está sob o controle da igreja oficial, mesmo tendo sua essência
teológica, faz com que o povo seja protagonista de sua própria fé. O povo, por
meio de símbolos, acaba resignificando todo um arcabouço de ideias. Isso
significa dizer que, em essência, a religião transcende as realidades puramente
aparentes e palpáveis, em outras palavras:
“E isso vem exemplificar, mais
uma vez, quanto à primeira perspectiva se fundamenta em uma – constrói seu
objeto, a religião, enquanto – essência
não falsificável, na medida em que a segunda se verifica, exatamente, em
uma constante falsificabiliadede seu
objeto (a religião).” (AGNOLIN, 2012, p.190).
A religião acaba trazendo
para si uma responsabilidade ética e moral. Ela faz com que, homens e mulheres,
adotem padrões comportamentais, de acordo com seus ditames bem como fomenta uma
“relação pessoal” do homem como o sagrado, ou mesmo faz com que o mesmo passe a
ter uma sensibilidade para o metafísico. A ideia de mística se dá nesse
contexto: a relação do homem com esse “princípio metafísico”. Diríamos que o
itinerário espiritual dele é a mística[3].
É esse aspecto que faz a diferença e reafirma o seu pertencimento, não há uma
religião, mas sim a uma crença. Nas palavras de Faustino Teixeira:
“As tradições religiosas
encontram, certamente, na mística a sua dimensão de gratuidade e de provocação
permanente à abertura. Os místicos são aqueles que conseguem captar a dimensão
de profundidade presente na vida e reconhecer o outro lado das coisas. Em razão
de sua experiência de proximidade ao mistério, consegue com facilidade mover-se
e comungar para além das fronteiras de sua inserção particular.” (TEIXEIRA,
2004, p.27).
Não há necessariamente uma relação
direta com a instituição. Esses personagens fazem a ponte entre as pessoas e o
sagrado através de sua experiência própria, daí ele mesmo ser um símbolo vivo
da mensagem que anuncia. Vamos entender símbolo aqui como a união entre duas
coisas: o visível – mundo dos sentidos, e o invisível, aquilo que seria
metafísico.
Isso para
dizer que a religião dá conta de todas essas realidades: seja da essência da
coisa em si, de como ela se manifesta, onde percebo sinais dela, bem como
daqueles que são “portadores” vivos dessa realidade que só percebo por minha
intuição ou mesmo por alguma faculdade intelectiva.
O Fenômeno
Todos os
povos tem uma experiência religiosa ou tiveram. Essa experiência é a
manifestação interna que é colocada em evidencia na sociedade, seja por uma
prática de conduta seja por expressões culturais: seja por meio do símbolo,
seja por meio da linguagem. Isso significa dizer que, são experiências humanas.
“Como toda experiência humana,
ela também tende à comunicação e à socialização. Precisa ‘ser dita’; daí tantos
caminhos para realiza-la.
O itinerário desde a experiência
do sagrado até sua manifestação múltipla é o que faz o homureligiosus; o inverso, que parte das expressões religiosas e
vai até sua intensão e origem, é o caminho feito pelo estudioso. Daí o nome de
‘fenomenologia da religião’, essa classe de análise que vai dos testemunhos (os
fenômenos) até sua fonte geradora.” (CROATTO, 2010, p.9).
Situar o fenômeno dentro da religião e fora dela, é ter a certeza de que
ele é parte integrante da própria condição humana. Ele é o que está para além
das aparências e das normas estabelecidas. É algo que está para além das
formalidades e das convenções. Para que isso ocorra é necessário entender que a
religião tem um caráter social e global, bem como real e significativo na
sociedade. É aglutinadora e ao mesmo tempo separatista. Varia de acordo com a
realidade social onde se apresenta e sua linha teológica[4].
Esse aspecto – do fenômeno – não vai bem em nossos dias, consequência do
pragmatismo de nossa sociedade, bem como do esvaziamento, o objeto religioso
perde seu valor.
“Ao meu ver, a Fenomenologia da
Religião está em crise graças à hipertrofia interpretativa que está na base de
sua implosão teórica, e sobretudo por
sua obstinada recusa ao processo de falsificação, o que provocou seu esvaziamento.
Como foi acenado no início, de um lado, a explosão social e política das
grandes religiões esvaziou o objeto
religioso, a sacralidade no seu valor originário.” (PASSOS, USARSKI,
2013.p. 95)
Reconhecer esse aspecto é, sobretudo, afirmar sua existência e
importância em toda constituição religiosa. Aspecto esse tão bem apreendido
pela religiosidade popular, que reconhece nele sua legitimidade para crer e
reconhecer sua dimensão mística e real. Indo na contra mão dos sistemas
institucionais o homem reconhecer no fenômeno suas motivações para afirmar suas
crenças diante de tudo e todos.
A mística
Tudo aquilo que percebo do fenômeno e consigo reproduzir em minha vida,
pode ser considerado como mística. Quando consigo perceber atributos e
percebendo-os sou capaz de resignificá-los ou mesmo de reproduzi-los isso já
pode ser considerado mística. Levando os outros a terem uma “experiência” com o
fenômeno sou capaz por esse meio de aproximar duas realidades, a saber, a
visível e a invisível. Tornando o homem, por tal experiência, desapegado – ou
mesmo desinteressado – das realidades materiais, pra não dizer, mundanas.
“Em
síntese, a experiência mística provoca necessariamente um aprofundamento de si,
um despojamento e desapego que impulsionam o sujeito para a dinâmica da
alteridade. Não é fácil atingir tal desapego. Trata-se de um processo lento,
complexo e permanente, que faz brotar uma atitude de total abertura.”
(TEIXEIRA, 2004, p.30).
Algumas
figuras importantes podem ser citadas como exemplos de místicos que, com sua
prática de vida foram influenciadores de movimentos, bem como de expressões da
religiosidade popular, aja vista um Antônio Conselheiro no Sertão baiano, foi
capaz de arrebanhar milhares em torno de seu “Arraial de Belo Monte” e com um
“devocionismo” e uma releitura de práticas católicas, ser exemplo de liderança
e de homem místico que, à frente de um movimento tipicamente messiânico, trazia
esperança e a promessa de um mundo melhor para aquele povo sofrido e castigado
por uma situação de miséria e seca. É a sua experiência pessoal que alimenta o
movimento e se irradia para construir um novo momento para aquele povo. Quando
o Arraial é construído ergue-se primeiro a Igreja e o Cemitério. As práticas
das rezas eram constantes e a devoção a virgem Maria era diária com a recitação
do terço em comunidade. Sua mística, vai no sentido contrário da instituição,
que inclusive condena o movimento, mas é esse sentimento – mística – e o
carisma do líder, que faz com que cause tanto “transtorno e incomode” o Estado
e a Igreja, ao ponto de anularem o mesmo de forma trágica e sem piedade. Como
ele poderíamos enumerar vários outros: São João da Cruz, Santa Terezinha, Padre
Cícero, Frei Damião, entre outros, que, nos ajudam a refletir sobre o papel e a
diferença que esses homens e mulheres, imbuídos de um “espirito reformador” e
com características místicas alimentaram e alimentam o sentimento de uma
religiosidade popular e um devocionismo no meio do povo.
O Símbolo
Podemos
dizer que o símbolo é a linguagem formal que expressa o sagrado, é uma
representação visível de algo que não posso ver. É a linguagem fundante da
religião, é por meio dele que a “transcendência” pode ser percebida em sua
forma palpável, visível.
“Por sua etimologia (do grego sum-ballo, ou sympballo), o símbolo refere-se a união de duas coisas. Era um
costume grego que, ao se fazer um contrato, fosse quebrado em duas partes de um
objeto de cerâmica, então cada pessoa levava um dos pedaços. Uma reclamação
posterior ela legitimada pela reconstrução (“pôr junto” = symballo) da cerâmica destruída, cujas metades deveriam coincidir.
A união das partes permitia reconhecer que a amizade permanecia intacta.”
(CROTTO, 2010, 84-85).
É a ideia que o símbolo une duas
realidades separadas que, ao mesmo tempo se completam e fazem parte de uma
mesma estrutura fenomenológica. Por si só ele é capaz de conduzir o homem a uma
experiência que foge do cotidiano. Faz com que ele possa vivenciar as várias
categorias hierofânicas[5]
do sagrado. O símbolo religioso pode ser tido como uma forma de experiência da
realidade, ou seja, ele, de certa forma sacraliza o que está a sua volta
dando-lhe um sentido supra-natural. Ele acrescenta um novo valor. Pode ser algo
concreto: uma imagem de um santo, um amuleto, um local sagrado (santuário de
peregrinação), como um ritual (benzer um objeto, as novenas marianas no interior[6],
onde sem clérigos o povo reza e manifesta sua fé), enfim, o símbolo dá o que
falar.
“[...] teríamos que repetir que
o mundo da religião é o mundo do símbolo. O homem religioso percebe a ‘fala’ ou
a ‘revelação’ do mistério da realidade por meio de símbolos. A realidade em sua
profundidade, não se manifesta em linguagem direta”. (MARDONES, 2006, p.89).
É um momento
significativo quando alguém, imbuído de um sentimento religioso reproduzir todo
um sistema simbólico em seu cotidiano e é influenciado pelo mesmo. Isso remete
o papel fundante do símbolo, quando ele acaba assumindo uma função social, na
medida em que interfere e modifica a própria realidade.
Considerações finais
A religiosidade popular, mesmo que
passando por uma crise fenomenológica, tem se mostrado firme e cada dia mais
presente em nossa sociedade. Com todos os hibridismos ela vem sobrevivendo e
resignificando cada dia mais os processos que envolvem o sagrado: rito,
símbolo, mística, enfim, todas as categorias hermenêuticas que a justificam ou
mesmo que as alimentam. É importante destacar que, no aspecto de sua
fenomenologia a religiosidade popular se distancia dos aspectos institucionais,
pois sua essência é percebida pela capacidade de abstração do indivíduo e sua
consciência e relação com aquilo que ele acredita ser “o sagrado”. O nosso povo
brasileiro, herdeiro de uma miscigenação étnica e cultural, acaba por absorver
e reproduzi elementos oriundos dessa herança. Daí uma propensa inclinação para
o desenvolvimento de um cenário ideal para a “religiosidade popular”.
Elementos dessa
religiosidade, como a mística, são fundamentais para que essas manifestações
não acabem. Quando o povo, por meio de líderes, ou mesmo pessoas que se
destacam por um “pietismo” ou por uma conduta que é identificada como “santa”
(só pra lembrar a figura dos beatos) encontram nesses exemplos elementos
necessários para serem reproduzidos e resignificados. Fazendo com que sejam
passadas à diante essas práticas. Esse sentimento de simplicidade, que a
mística somada ao símbolo conduz o “homem simples” a uma vivência de da
experiência religiosa em sua plena transcendência. Bem como sua abertura para o
sendo do mistério.
Bibliografia:
ABBAGNANO, Nicola. Dicionário
de Filosofia, São Paulo: Martins Fontes, 1992.
AGNOLIN, Adone. História
das Religiões: Perspectivas histórico-comparativa, São Paulo: Paulinas,
2013.
CROATTO, José Severino. As
Linguagens da Experiência Religiosa: Uma introdução à fenomenologia da religião,
São Paulo: Paulinas, 2010.
MARDONES, José Maria. A
vida dos Símbolos: A dimensão simbólica da religião, São Paulo: Paulinas,
2006.
REALE, Giovanne. História
da Filosofia, Volume V. São Paulo: Loyola, 1999.
STEIL, Carlos Alberto. O
Sertão das Romarias: um estudo antropológico sobre o santuário de Bom Jesus da
Lapa – Bahia, Rio de Janeiro: Editora Vozes, 1996.
TEIXEIRA, Faustino. Meneses, Renata (Orgs.) As Religiões do Brasil: continuidades e
rupturas, Rio de Janeiro: Editora Vozes, 2006.
TEIXEIRA, Faustino. Meneses, Renata (Orgs.). Catolicismo Plural: Dinâmicas
Contemporâneas, Rio de Janeiro: Editora Vozes, 2009.
TEIXEIRA, Faustino.No
Limiar do Mistério – Mística e Religião, São Paulo: Paulinas, 2004.
PASSOS, João Décio; USARSKI, Frank (Org.). Compêndio de Ciência das Religiões, São
Paulo: Paulinas: Paulus, 2013.
[1]Estamos
aqui usando o termo fenomenologia como foi utilizado por Hussel em Investigações Lógicas (1900-1901) onde
ele fala da fenomenologia tratando da essência
como uma categoria hermenêutica de um “objeto real”. Ou seja, quando falo
do caráter fenomenológico da religião me refiro àessência de suas manifestações.
[2]O
que não significa que ela é feita de todo jeito, quando falamos que não segue
um Cânone ou liturgia estamos falando dos moldes oficiais da Igreja romana.
[3]
Aqui entendemos esse termo como é destacado por Reale:“O termo deriva de mystikós, que significa o que está em
conexão com os mistérios. Só na antiguidade tardia, porém, aparece a expressão mystiképarádosis, para indicar a
doutrina mística, que mostra ao homem como destacar-se do sensível e alcançar o
Absoluto, até assimilar-se e unir-se a Ele”.
[4]
Não quero com isso dizer que ela tem um caráter flexível por demais ou mesmo
que não tenha uma identidade própria. Contudo é importante destacar que a
religião e mais especificamente, sua manifestação popular, é algo que vai
tomando forma e fazendo seus hibridismos de acordo com cada época e lugar.
[5]Aqui
uso o sentido da palavra como “manifestação do sagrado” (revelação).
[6] No
mês de maio é “tradição” as novenas rezadas nas casas pelas próprias pessoas
sem a presença do clero. Expressa a fé e a religiosidade popular que une as
pessoas e garante a transmissão desse costume. Cada noite o alta é ornado com
flores e as flores murchas de todas as noites são queimadas em uma fogueira na
última noite do mês, noite esse que ocorre uma “coroação simbólica” da imagem
de Maria mãe de Jesus Cristo (Nossa senhora Imaculada Conceição).
quarta-feira, 5 de junho de 2013
Por uma escola que eduque: uma discussão entre prática pedagógica e realidade social.
Mais
que nunca podemos afirmar que a escola é o lugar por excelência das
competências educacionais. Não só um lugar para se “repetir” conhecimento,
lugar para transmissão de dados ela precisa ser o lugar da práxis social, ou
seja, ela deve ser uma agente transformadora da realidade onde ela está
inserida. Isso significa dizer que não se pode pensar uma escola hoje
dissociada de sua realidade social, fora de sua comunidade.
Muito
embora tenhamos politicas públicas federais direcionadas e orientadas para
determinadas finalidades, as mesmas – aqui me refiro especificamente ao Fundo
de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos
Profissionais da Educação (FUNDEB) - como sendo um mecanismo de redistribuição
de recursos vinculados à educação no país, que é um plano maior de uma
realidade diversificada de acordo com cada realidade regional. Isso significa
que, independente de recursos ou números não dá para imaginar uma educação sem
pensar as diferenças de cada localidade, a comunidade no entorno da escola.
Daí
a necessidade de cada escola ter seu Projeto Político Pedagógico (PPP), como
sendo um recurso mediador entre escola e “comunidade escolar”. Ele é
responsável por apresentar o perfil da realidade escolar e planejar as ações
dentro e fora da escola. Ignorar isso é não ter compromisso com a educação e
principalmente com o aluno enquanto pessoa humana. Isso é simplesmente
instrumentalizar um processo que é por natureza, dinâmico.
Tomando
como instrumento de análise a educação pública, podemos afirmar que, desde
2007, com o Plano de Desenvolvimento da Educação (PDE), foi se colocado
instrumentos eficazes para avaliação e de implementação de politicas de
melhorias na educação, sobretudo na educação básica que é o inicio de todo
processo. Esse mesmo programa cria uma estratégia que é o Plano de Metas que
busca melhorar os índices da educação. A partir disso os municípios aderem a um
Plano de Ações Articuladas (PAR) que tem como principio a transparência nos
dados da educação de cada município para que todos possam ter acesso e
acompanhar como cada um planeja e executa suas ações.
Mesmo com dificuldades e aqueles que não creem
que a educação pode mudar o mundo acreditamos que, com esses mecanismos teóricos
podemos construir uma prática diferente e de resultados. Uma educação que veja
o homem em sua totalidade e não apenas como uma “peça de engrenagem”, ou mesmo
um “simples sujeito histórico”. A sociedade mudará quando cada um tiver ciência
do seu papel concreto, ai passaremos de utopias a uma realidade onde homens e
mulheres de boa vontade sejam de fato cidadãos.
terça-feira, 22 de janeiro de 2013
Um olhar crítico: O pensamento de Marx acerca da religião.
Um
olhar crítico: O pensamento de Marx acerca da religião.
Robertino
Lopes[1]
RESUMO
Este
artigo propõe alguns pontos do pensamento de Karl Marx acerca da religião. Ao
analisarmos o contexto em que ele se apresenta procuramos discutir os conceitos
que Marx propõe, seja ele de alienação, seja de ideologia e suas implicações na
temática da religião. Ele apresenta a justificativa para condenar a religião,
pois a mesma é instrumento de controle social e de truncamento do potencial
humano. Como Marx não escreveu, nem estudou especificamente religião partimos
de fragmentos de textos, bem como de autores (Urbano Zilles e Ivo Lesbaupin),
para desenvolver essa reflexão.
Palavras-chave:
religião – alienação – dialética – ideologia.
Filósofo,
economista e cientista político alemão, Marx nasceu em Tréveros em 15 de maio
de 1818, cidade capital da província do Reno, cuja tradição remota os tempos de
Roma. Filho de classe média, o pai advogado, a mãe, uma judia dedicada à
família. Sofre influência desde cedo do universo judaico, devido ao seu
radicalismo, foi expulso de vários países europeus. O pensamento marxista
exerceu profundas influências nas mais diversas áreas ligadas ao conhecimento
humano: Filosofia, Sociologia, Economia e Educação.
O
jovem Marx, depois de estudar direito um ano em Bonn (1835), foi a Berlin e ai
se integrou ao clube dos doutores da esquerda hegeliana (David Strauss, Bruno
Bauer, Hess e Max Stirner), influencia essa que o faz se tornar ateu. Como
afirma Zilles: “A doutrina de Karl Marx nasce, no século XIX, da confluência do
materialismo da ciência natural com o socialismo francês, penetrada e animada
pelo espírito da dialética de Hegel”. A grande contribuição de Hegel para Marx
vai ser o resgate da dimensão da Temporalidade e da Historicidade, em outras
palavras, a perspectiva dialética do pensamento filosófico, que não vê no real
algo pronto ou mesmo acabado, pelo contrário, enxerga que estamos diante de um
“vir a ser”, de um movimento para frente, de um constante “devir”, como diria
Heráclito de Éfeso. Marx coloca a dialética hegeliana com os pés na realidade.[2]
É
preciso destacar que, inicialmente, que ele não se preocupou, ou mesmo se
ocupou vastamente da temática ligada à religião. Ela se mostra presente nos
primeiros anos de sua atividade intelectual e depois vai aparecer sobre formas
de afirmações esporádicas em suas obras, para dizer melhor, não há nele uma
preocupação específica em dedicar uma obra completa a essa temática. Ele, mesmo
priorizando outras questões, deu certa relevância a esse aspecto.
Lênin,
continuador da ideologia marxista e fundador do partido diz: “A teoria de Marx
é o verdadeiro herdeiro do que de melhor
produziu a humanidade no século XIX, na forma da Filosofia alemã, da economia
política inglesa e do socialismo francês”. Marx teria conseguido passar de uma
realidade puramente teórica para o momento da práxis, esse salto só foi
possível por sua compreensão do pensamento hegeliano, pensamento esse que vai influenciar
direta e indiretamente toda sua obra.
Ao
falar de marxismo e religião é preciso, antes de tudo distinguir o que a
tradição vulgarizada do marxismo nos transmitiu e o que efetivamente Marx e
Engels pensaram sobre a religião. Essa tradição não nos transmitiu apenas uma
teoria, um conjunto de idéias – resumidas na afirmação “a religião é o ópio do
povo” – mas uma história de oposições (Lesbaupin, 2011).
Marx
era ateu muito antes de ser comunista. Sua atitude anticapitalista não foi
pressuposto, mas confirmação. Aceitara o ateísmo da esquerda hegeliana de
Berlin e Feuerbach. A inteligência de Marx conseguiu que o ateísmo se tornasse
o fundamento e a ideologia para o socialismo até os nossos dias. Diz Zilles,
citando os manuscritos econômico-filosóficos de Paris: “O ateísmo é o humanismo
pela superação da religião, e o comunismo é o humanismo pela superação da
propriedade privada”. Sua passagem por Paris, o contato com as idéias socialistas,
com a miséria do proletário industrial, embora o mesmo nunca ter sido operário,
fez com que se torna-se socialista e comunista. Passa a pensar na possibilidade
de uma organização por parte dos trabalhadores e torna-se “o teórico do
proletariado” (Zilles, 1991). Para Marx o ateísmo é algo bem claro, tão claro
que não precisa de nenhuma investigação mais apurada de sua parte. Deus não
passa de uma projeção do homem, por isso que a religião não passa de produção e
alienação do homem, Berg diria que ela (a religião) seria uma legitimadora das
questões humanas, logo, manipulável. “A religião serve, assim, para manter a
realidade daquele mundo socialmente construído no qual os homens existem nas
suas vidas cotidianas”. (Berg, 1985).
O
homem é o criador da religião, ao propor uma análise da religião, Marx quer
verificar os conflitos oriundos da mesma, sua superação e conseqüentemente ele
quer destruir tais conflitos. A religião é o sentimento de paz e harmonia de
uma sociedade alienada. É um momento necessário de um mundo alienado porque o
justifica, o legitima (Berg). Seu protesto contra esse mundo permanece sem
conseqüências porque propõe uma solução para além da história, para além-túmulo.
A religião apenas oferece a libertação espiritual do homem, a libertação
imaginária e ilusória, meramente aparente e abstrata. Somente a práxis
revolucionária, o exercício dialético-histórico, será capaz de emancipar
plenamente o proletário industrial, dispensando o protesto e o consolo da
religião.
Na
primeira fase, portanto, Marx trabalha a religião como alienação. Numa
segunda fase, que começa com a Ideologia Alemã (1845) – onde se firma os
princípios teóricos que serão o fundamento de sua produção intelectual – Marx
considera a religião como ideologia. Na Ideologia alemã, Marx e Engels
situam suas idéias como não tendo autonomia própria, como produto da atividade
material do homem. A formação das idéias sejam elas filosóficas, morais,
religiosas ou outras, se explicam a partir da maneira como os homens produzem os
bens materiais (Lesbauspin, 2011).
Marx
entende que a religião é uma consciência equivocada, errada em relação ao
mundo. Enquanto protesto contra as situações humanas é protesto ineficiente,
falho, porque desvia atenção desse mundo
e de sua transformação para outro, para o além, algo que, diante mão, não me dá
nenhuma garantia, firmeza ou mesmo certeza concreta, que só posso abstrair ou
mesmo nominar pela fé, por sentimentos, ou seja, não é algo confiável pelo viés
da razão, ou mesmo da práxis-histórica.
Dessa
maneira a religião age como calmante: “É o ópio do povo”. A religião retira a
capacidade humana de ver a realidade, ela hipnotiza os homens com falsa
superação da miséria, com falsas imagens e assim destrói sua força de revolta;
revolta essa que poderia levar o homem a uma superação dessa realidade, em
outras palavras, a religião anula todas as possibilidades, todas as tentativas
do homem mudar, superar, transpor todas as barreiras impostas pelo capitalismo
a sua existência. Para Marx o homem deve entender o processo histórico e
superá-lo e isso só acontece na medida em que o homem sai do plano teórico para
a práxis, ou seja, não é só entender é também superar, a religião seria o
entrave nesse processo, tornado o homem passivo em todo esse contexto, daí sua
condição alienante. Para ele não há uma ordem natural das coisas, tudo pode ser
transformado.
A
crítica de Marx é erguida e sustentada sobre o eixo das alienações nas suas
mais diversas formas de manifestação. Por alienação ele tem um entendimento
diferente de Hegel no sentido de exteriorização, mas um caráter pejorativo,
histórico ou real. Trata-se de situações em que o homem se perdeu a si mesmo.
Distingue a alienação religiosa, a alienação política, a alienação social, a
alienação econômica e a alienação filosófica.
Na
alienação religiosa, o homem projeta segundo Marx, para fora de si, de maneira
vã e inútil, seu ser essencial, que faz com que ele não veja a realidade (ou
veja de forma deformada) e perde-se na ilusão de um mundo transcendente, mundo
esse que seria bem melhor que o atual, digamos que seria um mundo quer seguiria
outra lógica, havendo compensações em relação a esse, dando ao homem uma
esperança que só seria possível nesse mundo transcendente. Aceita, pois, o
conceito feuerbachiano de alienação. A religião nada mais é que a projeção do
ser do homem em um mundo ilusório. Com ela aliena-se a si mesmo, em outras
palavras: “A religião é então reflexo ilusório, fantástico, das relações de
dominação de classe, de exploração: as idéias religiosas exprimem, justificam e
escondem a realidade da dominação. A religião é ideologia, falsa consciência”.
(Lesbauspin, 2011). É a idéia que a religião não tem substância própria.
A
religião faz o sujeito predicado, alcançando Deus sobre as nuvens, em vez de
dar-se conta de que o céu está sobre a terra. Enquanto Feuerbach se contentara
em denunciar intelectualmente a alienação religiosa, sem indagar as causas,
Marx admite que a religião é uma ilusão, não, porém, ilusão puramente
intelectual. A alienação religiosa deve ser analisada, compreendida e até
refutada a partir da situação histórico-social concreta. Mas a religião é a
expressão mais vivas da alienação do homem e não seu fundamento. A essência da
alienação do homem encontra-se no contexto econômico, do tipo de relações de
produção geradas no mundo capitalista, contexto esse que a religião aceita
passivamente. Essa relação de produção reduz o homem a um estado de engrenagem,
de mera peça; tirando do homem sua essência pensante e transformadora: “Destruindo
essa estrutura econômica também se destrói a religião que é o seu produto. São
as estruturas econômicas que, segundo ele, geram falsa consciência, que é a
religião. Assim a idéia de Deus é resultado de uma economia alienante”
(Lesbaupin, 2011).
A
religião é o aroma de uma sociedade alienada. É um momento necessário de um
mundo alienado porque o justifica. Seu protesto contra esse mundo permanece sem
conseqüências porque propõe uma solução para além da história. A religião
apenas oferece a libertação espiritual do homem, a libertação imaginária e
ilusória. Somente a práxis revolucionária será capaz de emancipar radicalmente
o proletário industrial, dispensando o protesto e o consolo da religião.
É
uma forma da existência humana intrinsecamente falsa. A religião nasce segundo
Marx, da convivência social e política perturbada dos homens, de lacunas
deixadas pela própria condição humana. O crente suspira uma felicidade ilusória
para esquecer sua desgraça presente, para com isso ignorar a realidade prática
e histórica, significa dizer que seu olhar está difuso, pois não enxerga o que
está diante dos próprios olhos. Por isso a religião é o ópio do povo, na medida
em que ela contribui para que essa distorção na visão que ele tem de si e do
que está a sua volta. Para libertar o proletariado e a humanidade da miséria, é
preciso destruir o mundo que gera a religião.
Na
da história da humanidade são as forças da natureza, depois surgem às forças
sociais e, conseqüentemente, todo um arcabouço de situações, idéias, conceitos,
enfim, a cultura. A seguir todos os atributos naturais e sociais dos muitos
deuses são vinculados a um único Deus onipotente, reflexo do homem abstrato. No
mundo da economia burguesa diz-se: “O homem pensa e Deus ajuda”. Para Marx,
Deus é apenas consolação interesseira, justificação ilegítima para coisas
legítimas. Segundo Marx, a religião não terá
mais razão de ser quando a vida social aparecer como “obra de homens livremente
associados, agindo conscientemente e mestre de seu próprio movimento social”
(MARX. O Capital, 1965).
A
crítica de Marx deve ser entendida num primeiro momento, como uma crítica
ideológica ao cristianismo burguês de sua época, a sua ideologia e a
instrumentalização da mesma. Para ele isso afetaria diretamente as relações de
produção, logo, era mais um instrumento de alienação e escravidão do
proletário. Ele analisa a função da religião na sociedade do século XIX, seu
interesse era pelo papel que a mesma ocupada, ele nunca estudou
sistematicamente a religião. “Na síntese hegeliana, o cristianismo deixa de ser
religião para ser apenas cultura. Desta síntese origina-se, de um lado a
solução social de Feuerbach e Marx como humanismos absolutos e, de outro, a
solução religiosa que rompe com o mundo e a sociedade.
BIBLIOGRAFIA
BERGER,
Peter. O Dossel Sagrado – Elementos para uma teoria sociológica da religião.
São Paulo: Paulus, 1985.
LESBAUSPIN,
Ivo. Marxismo e religião. In: Sociologia da Religião – Enfoques teóricos.
Petrópolis, Rj: Vozes, 2011.
MARX,
Karl. “Crítica da Filosofia do Direito de Hegel”. Marx, Karl e ENGELS, Friedrich. In:
Sobre a religião. Lisboa: Edições 70, 1975, p.47-49. [Texto e escrito no fim de
1843 a Janeiro de 1844. Aparecido nos “Anais Franco-Alemães”. Paris, 1844.
Segundo Karl Marx-Friedrich Engels: Obras,
tomo I. Berlim, 1958].
__________.
Manuscritos econômico-filoasófico e outros textos escolhidos: seleção de textos
de José Arthur Giannotti. 2 ed. São Paulo: Abril Cultural, 1978. (Os
pensadores).
REALE,
Giovanni, ANTISERI, Dário. História da
Filosofia. Do romantismo até os nossos dias (Volume III). São Paulo: Paulus,
1990.
ZILLES,
Urbano. Filosofia da Religião. São Paulo: Paulus, 1991.
[1] Filósofo pela
UFPB (Licenciatura e Bacharelado), Teólogo pela Escola Teológica Ministerial da
Arquidiocese da Paraíba, aluno de Teologia do Seminário Arquidiocesano da
Paraíba Imaculada Conceição e graduando do 4º Período de Ciências das Religiões
pela UFPB.
[2] Marx passa do idealismo
hegeliano para uma práxis histórico-crítica, ou seja, uma dialética com “os pés
no chão”. Essa expressão é para falar que Ele vai além de Hegel, pois pensa na
praticidade da realidade e não em algo idealizado como sendo distante ou para
uma realidade atemporal.
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