Um
olhar crítico: O pensamento de Marx acerca da religião.
Robertino
Lopes[1]
RESUMO
Este
artigo propõe alguns pontos do pensamento de Karl Marx acerca da religião. Ao
analisarmos o contexto em que ele se apresenta procuramos discutir os conceitos
que Marx propõe, seja ele de alienação, seja de ideologia e suas implicações na
temática da religião. Ele apresenta a justificativa para condenar a religião,
pois a mesma é instrumento de controle social e de truncamento do potencial
humano. Como Marx não escreveu, nem estudou especificamente religião partimos
de fragmentos de textos, bem como de autores (Urbano Zilles e Ivo Lesbaupin),
para desenvolver essa reflexão.
Palavras-chave:
religião – alienação – dialética – ideologia.
Filósofo,
economista e cientista político alemão, Marx nasceu em Tréveros em 15 de maio
de 1818, cidade capital da província do Reno, cuja tradição remota os tempos de
Roma. Filho de classe média, o pai advogado, a mãe, uma judia dedicada à
família. Sofre influência desde cedo do universo judaico, devido ao seu
radicalismo, foi expulso de vários países europeus. O pensamento marxista
exerceu profundas influências nas mais diversas áreas ligadas ao conhecimento
humano: Filosofia, Sociologia, Economia e Educação.
O
jovem Marx, depois de estudar direito um ano em Bonn (1835), foi a Berlin e ai
se integrou ao clube dos doutores da esquerda hegeliana (David Strauss, Bruno
Bauer, Hess e Max Stirner), influencia essa que o faz se tornar ateu. Como
afirma Zilles: “A doutrina de Karl Marx nasce, no século XIX, da confluência do
materialismo da ciência natural com o socialismo francês, penetrada e animada
pelo espírito da dialética de Hegel”. A grande contribuição de Hegel para Marx
vai ser o resgate da dimensão da Temporalidade e da Historicidade, em outras
palavras, a perspectiva dialética do pensamento filosófico, que não vê no real
algo pronto ou mesmo acabado, pelo contrário, enxerga que estamos diante de um
“vir a ser”, de um movimento para frente, de um constante “devir”, como diria
Heráclito de Éfeso. Marx coloca a dialética hegeliana com os pés na realidade.[2]
É
preciso destacar que, inicialmente, que ele não se preocupou, ou mesmo se
ocupou vastamente da temática ligada à religião. Ela se mostra presente nos
primeiros anos de sua atividade intelectual e depois vai aparecer sobre formas
de afirmações esporádicas em suas obras, para dizer melhor, não há nele uma
preocupação específica em dedicar uma obra completa a essa temática. Ele, mesmo
priorizando outras questões, deu certa relevância a esse aspecto.
Lênin,
continuador da ideologia marxista e fundador do partido diz: “A teoria de Marx
é o verdadeiro herdeiro do que de melhor
produziu a humanidade no século XIX, na forma da Filosofia alemã, da economia
política inglesa e do socialismo francês”. Marx teria conseguido passar de uma
realidade puramente teórica para o momento da práxis, esse salto só foi
possível por sua compreensão do pensamento hegeliano, pensamento esse que vai influenciar
direta e indiretamente toda sua obra.
Ao
falar de marxismo e religião é preciso, antes de tudo distinguir o que a
tradição vulgarizada do marxismo nos transmitiu e o que efetivamente Marx e
Engels pensaram sobre a religião. Essa tradição não nos transmitiu apenas uma
teoria, um conjunto de idéias – resumidas na afirmação “a religião é o ópio do
povo” – mas uma história de oposições (Lesbaupin, 2011).
Marx
era ateu muito antes de ser comunista. Sua atitude anticapitalista não foi
pressuposto, mas confirmação. Aceitara o ateísmo da esquerda hegeliana de
Berlin e Feuerbach. A inteligência de Marx conseguiu que o ateísmo se tornasse
o fundamento e a ideologia para o socialismo até os nossos dias. Diz Zilles,
citando os manuscritos econômico-filosóficos de Paris: “O ateísmo é o humanismo
pela superação da religião, e o comunismo é o humanismo pela superação da
propriedade privada”. Sua passagem por Paris, o contato com as idéias socialistas,
com a miséria do proletário industrial, embora o mesmo nunca ter sido operário,
fez com que se torna-se socialista e comunista. Passa a pensar na possibilidade
de uma organização por parte dos trabalhadores e torna-se “o teórico do
proletariado” (Zilles, 1991). Para Marx o ateísmo é algo bem claro, tão claro
que não precisa de nenhuma investigação mais apurada de sua parte. Deus não
passa de uma projeção do homem, por isso que a religião não passa de produção e
alienação do homem, Berg diria que ela (a religião) seria uma legitimadora das
questões humanas, logo, manipulável. “A religião serve, assim, para manter a
realidade daquele mundo socialmente construído no qual os homens existem nas
suas vidas cotidianas”. (Berg, 1985).
O
homem é o criador da religião, ao propor uma análise da religião, Marx quer
verificar os conflitos oriundos da mesma, sua superação e conseqüentemente ele
quer destruir tais conflitos. A religião é o sentimento de paz e harmonia de
uma sociedade alienada. É um momento necessário de um mundo alienado porque o
justifica, o legitima (Berg). Seu protesto contra esse mundo permanece sem
conseqüências porque propõe uma solução para além da história, para além-túmulo.
A religião apenas oferece a libertação espiritual do homem, a libertação
imaginária e ilusória, meramente aparente e abstrata. Somente a práxis
revolucionária, o exercício dialético-histórico, será capaz de emancipar
plenamente o proletário industrial, dispensando o protesto e o consolo da
religião.
Na
primeira fase, portanto, Marx trabalha a religião como alienação. Numa
segunda fase, que começa com a Ideologia Alemã (1845) – onde se firma os
princípios teóricos que serão o fundamento de sua produção intelectual – Marx
considera a religião como ideologia. Na Ideologia alemã, Marx e Engels
situam suas idéias como não tendo autonomia própria, como produto da atividade
material do homem. A formação das idéias sejam elas filosóficas, morais,
religiosas ou outras, se explicam a partir da maneira como os homens produzem os
bens materiais (Lesbauspin, 2011).
Marx
entende que a religião é uma consciência equivocada, errada em relação ao
mundo. Enquanto protesto contra as situações humanas é protesto ineficiente,
falho, porque desvia atenção desse mundo
e de sua transformação para outro, para o além, algo que, diante mão, não me dá
nenhuma garantia, firmeza ou mesmo certeza concreta, que só posso abstrair ou
mesmo nominar pela fé, por sentimentos, ou seja, não é algo confiável pelo viés
da razão, ou mesmo da práxis-histórica.
Dessa
maneira a religião age como calmante: “É o ópio do povo”. A religião retira a
capacidade humana de ver a realidade, ela hipnotiza os homens com falsa
superação da miséria, com falsas imagens e assim destrói sua força de revolta;
revolta essa que poderia levar o homem a uma superação dessa realidade, em
outras palavras, a religião anula todas as possibilidades, todas as tentativas
do homem mudar, superar, transpor todas as barreiras impostas pelo capitalismo
a sua existência. Para Marx o homem deve entender o processo histórico e
superá-lo e isso só acontece na medida em que o homem sai do plano teórico para
a práxis, ou seja, não é só entender é também superar, a religião seria o
entrave nesse processo, tornado o homem passivo em todo esse contexto, daí sua
condição alienante. Para ele não há uma ordem natural das coisas, tudo pode ser
transformado.
A
crítica de Marx é erguida e sustentada sobre o eixo das alienações nas suas
mais diversas formas de manifestação. Por alienação ele tem um entendimento
diferente de Hegel no sentido de exteriorização, mas um caráter pejorativo,
histórico ou real. Trata-se de situações em que o homem se perdeu a si mesmo.
Distingue a alienação religiosa, a alienação política, a alienação social, a
alienação econômica e a alienação filosófica.
Na
alienação religiosa, o homem projeta segundo Marx, para fora de si, de maneira
vã e inútil, seu ser essencial, que faz com que ele não veja a realidade (ou
veja de forma deformada) e perde-se na ilusão de um mundo transcendente, mundo
esse que seria bem melhor que o atual, digamos que seria um mundo quer seguiria
outra lógica, havendo compensações em relação a esse, dando ao homem uma
esperança que só seria possível nesse mundo transcendente. Aceita, pois, o
conceito feuerbachiano de alienação. A religião nada mais é que a projeção do
ser do homem em um mundo ilusório. Com ela aliena-se a si mesmo, em outras
palavras: “A religião é então reflexo ilusório, fantástico, das relações de
dominação de classe, de exploração: as idéias religiosas exprimem, justificam e
escondem a realidade da dominação. A religião é ideologia, falsa consciência”.
(Lesbauspin, 2011). É a idéia que a religião não tem substância própria.
A
religião faz o sujeito predicado, alcançando Deus sobre as nuvens, em vez de
dar-se conta de que o céu está sobre a terra. Enquanto Feuerbach se contentara
em denunciar intelectualmente a alienação religiosa, sem indagar as causas,
Marx admite que a religião é uma ilusão, não, porém, ilusão puramente
intelectual. A alienação religiosa deve ser analisada, compreendida e até
refutada a partir da situação histórico-social concreta. Mas a religião é a
expressão mais vivas da alienação do homem e não seu fundamento. A essência da
alienação do homem encontra-se no contexto econômico, do tipo de relações de
produção geradas no mundo capitalista, contexto esse que a religião aceita
passivamente. Essa relação de produção reduz o homem a um estado de engrenagem,
de mera peça; tirando do homem sua essência pensante e transformadora: “Destruindo
essa estrutura econômica também se destrói a religião que é o seu produto. São
as estruturas econômicas que, segundo ele, geram falsa consciência, que é a
religião. Assim a idéia de Deus é resultado de uma economia alienante”
(Lesbaupin, 2011).
A
religião é o aroma de uma sociedade alienada. É um momento necessário de um
mundo alienado porque o justifica. Seu protesto contra esse mundo permanece sem
conseqüências porque propõe uma solução para além da história. A religião
apenas oferece a libertação espiritual do homem, a libertação imaginária e
ilusória. Somente a práxis revolucionária será capaz de emancipar radicalmente
o proletário industrial, dispensando o protesto e o consolo da religião.
É
uma forma da existência humana intrinsecamente falsa. A religião nasce segundo
Marx, da convivência social e política perturbada dos homens, de lacunas
deixadas pela própria condição humana. O crente suspira uma felicidade ilusória
para esquecer sua desgraça presente, para com isso ignorar a realidade prática
e histórica, significa dizer que seu olhar está difuso, pois não enxerga o que
está diante dos próprios olhos. Por isso a religião é o ópio do povo, na medida
em que ela contribui para que essa distorção na visão que ele tem de si e do
que está a sua volta. Para libertar o proletariado e a humanidade da miséria, é
preciso destruir o mundo que gera a religião.
Na
da história da humanidade são as forças da natureza, depois surgem às forças
sociais e, conseqüentemente, todo um arcabouço de situações, idéias, conceitos,
enfim, a cultura. A seguir todos os atributos naturais e sociais dos muitos
deuses são vinculados a um único Deus onipotente, reflexo do homem abstrato. No
mundo da economia burguesa diz-se: “O homem pensa e Deus ajuda”. Para Marx,
Deus é apenas consolação interesseira, justificação ilegítima para coisas
legítimas. Segundo Marx, a religião não terá
mais razão de ser quando a vida social aparecer como “obra de homens livremente
associados, agindo conscientemente e mestre de seu próprio movimento social”
(MARX. O Capital, 1965).
A
crítica de Marx deve ser entendida num primeiro momento, como uma crítica
ideológica ao cristianismo burguês de sua época, a sua ideologia e a
instrumentalização da mesma. Para ele isso afetaria diretamente as relações de
produção, logo, era mais um instrumento de alienação e escravidão do
proletário. Ele analisa a função da religião na sociedade do século XIX, seu
interesse era pelo papel que a mesma ocupada, ele nunca estudou
sistematicamente a religião. “Na síntese hegeliana, o cristianismo deixa de ser
religião para ser apenas cultura. Desta síntese origina-se, de um lado a
solução social de Feuerbach e Marx como humanismos absolutos e, de outro, a
solução religiosa que rompe com o mundo e a sociedade.
BIBLIOGRAFIA
BERGER,
Peter. O Dossel Sagrado – Elementos para uma teoria sociológica da religião.
São Paulo: Paulus, 1985.
LESBAUSPIN,
Ivo. Marxismo e religião. In: Sociologia da Religião – Enfoques teóricos.
Petrópolis, Rj: Vozes, 2011.
MARX,
Karl. “Crítica da Filosofia do Direito de Hegel”. Marx, Karl e ENGELS, Friedrich. In:
Sobre a religião. Lisboa: Edições 70, 1975, p.47-49. [Texto e escrito no fim de
1843 a Janeiro de 1844. Aparecido nos “Anais Franco-Alemães”. Paris, 1844.
Segundo Karl Marx-Friedrich Engels: Obras,
tomo I. Berlim, 1958].
__________.
Manuscritos econômico-filoasófico e outros textos escolhidos: seleção de textos
de José Arthur Giannotti. 2 ed. São Paulo: Abril Cultural, 1978. (Os
pensadores).
REALE,
Giovanni, ANTISERI, Dário. História da
Filosofia. Do romantismo até os nossos dias (Volume III). São Paulo: Paulus,
1990.
ZILLES,
Urbano. Filosofia da Religião. São Paulo: Paulus, 1991.
[1] Filósofo pela
UFPB (Licenciatura e Bacharelado), Teólogo pela Escola Teológica Ministerial da
Arquidiocese da Paraíba, aluno de Teologia do Seminário Arquidiocesano da
Paraíba Imaculada Conceição e graduando do 4º Período de Ciências das Religiões
pela UFPB.
[2] Marx passa do idealismo
hegeliano para uma práxis histórico-crítica, ou seja, uma dialética com “os pés
no chão”. Essa expressão é para falar que Ele vai além de Hegel, pois pensa na
praticidade da realidade e não em algo idealizado como sendo distante ou para
uma realidade atemporal.